quarta-feira, 14 de abril de 2010

O sal da Vida.

"Agora me diga: pode um homem que odeia a si próprio amar alguém?
Pode ele estar em harmonia com alguém se está internamente cindido, ou dar prazer a alguém se é apenas um peso detestável a si mesmo?
Ninguém, suponho, dirá que pode, a não ser que seja mais louco ainda que a Loucura.
Pois bem, remova-me [a Loucura], e ninguém mais conseguirá suportar seus semelhantes, cada um passará a feder em sua próprias narinas e a considerar tudo a su próprio respeito fétido e repulsivo. [...]
O que existe de mais tolo que a auto-satisfação e a auto-admiração?
Mas como agir com graça, brilho e encanto se não se está satisfeito consigo mesmo?
Retire esse sal da vida, e imediatamente o orador se tornará maçante, o músico produzirá tédio com sua melodia, o desempenho do ator será vaiado, o poeta e as musas serão objeto de riso, o pintor e suas obras perderão valor, e o médico passará fome com seus remédios. "
Erasmo de Roterdam (1511)

terça-feira, 13 de abril de 2010

O exílio da alma.

De tempos em tempos, a vida nos prepara algumas "surpresas". Tomo a liberdade de escrever o termo entre aspas pois desejo que seu sentido seja relativizado, pois muitas destas "surpresas" não são tão surpreendentes assim.
A questão é que não enxergamos um palmo à nossa frente. Assim, tudo o que vier a ocorrer pode vir a ser surpreendente. Mas se agíssemos ao inverso, se nos habituássemos a caminhar pela vida de cabeça erguida, olhando sempre em frente, não seríamos pegos de "surpresa" tão facilmente.
Analisando por outro ângulo, temos o péssimo hábito de idealizar o comportamento das pessoas, especialmente as mais próximas. E quando a pessoa resolve dar uma de "pessoa", o que é absolutamente normal, e atuar de acordo com os seus sentimentos e percepções, quase sempre somos "surpreendidos" por suas atitudes e comportamentos, sempre muito diferenciados daquilo que havíamos imaginado...
Difícil a vida assim, não? Não, cara-pálida!
Somos nós, através das nossas atitudes, que dificultamos a tal da vida. Nada acontece por acaso. Em absoluto.
Viver nada mais é do sentir, perceber e apreender com a sucessão de fatos que ocorrem em nosso cotidiano.
Mas nem sempre estamos dispostos fazer isso. Nem sempre estamos preparados para realizar todas as ações ncessárias à vida.
O gostoso de viver é ser surpreendido. Isso é fato. E o que diferencia as pessoas é a forma de processamento adotada para estes fatos, para estas informações.
Quando idealizamos uma pessoa e suas atitudes, corremos o risco, severo, de nos arrependermos. Primeiro, por que esquecemos que essa outra pessoa nada mais é do que um ser humano, cheio de virtudes, mas recheado de defeitos. Segundo, por que não é direito de ninguém desejar que as outras pessoas ajam de acordo com os seus interesses, com os seus anseios, com as suas necessidades.
A liberdade, de pensar e de agir, é a real dimensão do amor. Quem ama, liberta.
E é o amor o verdadeiro exílio da alma. Sem amor, a alma enrudesce, deixa de adotar a sua face mais carinhosa para fantasiar-se de algo que não guarda relação com o ser humano. Algo duro e inflexível.
Infelizes aqueles que não conseguem permitir que o amor permeie as suas almas, pois tornam-se pessoas indesejáveis.
Poderia pensar em adotar outros tantos significados para os "sem amor", que estão por aí, aos milhares. Mas creio que "indesejável" seja a instância mais dura que consigo atingir.
Sim, pois o ser desejável é o ser agradável, bondoso, generoso, simpático, educado, cordato, inteligente, amoroso e, como corolário, amado. O indesejável, a antítese de tudo isso.
A beleza é o resultado de sermos internamente desejáveis, como se fosse um prêmio! Não é, certamente, a causa de sermos desejáveis.
Não creio que o ser humano nasça provido da capacidade de desamar. Ao contrário, acredito no amor como força motriz de todas as realizações humanas. Pois é por amor à humanidade que os cientistas e técnicos, tão céticos das coisas imateriais, atuam cotidianamente, buscando o melhor, a evolução em seus campos de atuação.
Acredito que algumas pessoas sejam, sim, influenciáveis. Se deixam abater facilmente por fatores externos, escapando conscientemente daquilo que realmente são.
Todos nós vivenciamos coisas incríveis e não tão incríveis assim ao longo de nossas vidas. O que diferencia os homens entre si é como processamos os fatos.
Passamos por momentos ótimos e por momentos difíceis. Mas da mesma forma que não podemos nos tornar arrogantes ou prepotentes diante dos fatos bons, não podemos nos tornar descrentes com a vida em razão dos fatos ruins!
É óbvio que a alma chorará, sangrará diante das dificuldades. Mas é da mesma maneira óbvio que a fortaleza humana, nascida nas entranhas da alma e transmitida ao coração, prevalecerá, cicatrizando as feridas. Marcas surgirão. Mas serão apenas cicatrizes, nada mais do que isso.
Basta acreditar e agir nesse sentido.
Muitas pessoas buscam, como forma de levar a vida, o afastamento da alma. Como se amar e ser feliz fosse um "pecado", não permitido.
Na minha opinião, uma bobagem, apesar de respeitar, por princípio, também quem deseja o desamor.
Mas não reclame da sorte, cara-pálida! Colhemos aquilo que plantamos. E ao plantarmos o desamor, colheremos as atitudes mais rudes e impiedosas! Pois o ser humano, ameaçado, transmuta-se na fera mais vingativa da natureza...
Por isso não somos perfeitos. Por isso somos uma obra divina em execução, em aperfeiçoamento.
E como seria chato o mundo repleto de amorosos; e como seria horrível uma realidade repleta de desamorosos.
De tudo isso, não se esqueça da única verdade exposta através destas linhas: o amor é o exílio da alma.
Não se afaste daquilo que você realmente é, da sua alma. Pois ao agir desta maneira, você estará tentando enganar a sua própria natureza, o qué é, sabemos, impossível de ser executado.
Não se afaste da alma. Não se afaste do amor.
Mesmo os mais eruditos sabem que é a alma o abrigo da dores e amores do ser.
Francis Bacon, um destes eruditos, que teve uma vida intensa e festejada até nossos dias, ao ser condenado pela prática de corrupção (é, isso mesmo...), em 1621, escreveu: "Minha alma tem sido uma estranha no curso de minha peregrinação."
Não se afaste do verdadeiro exílio da alma, o amor. Abrigue a sua alma, amorosamente. Aceite-a e trabalhe, arduamente, para fazê-la prosperar, melhorar, cotidianamente.
Sob pena de, ao final da vida, sermos condenados pelo tribunal de nossas consciências pela prática de corrupção...da alma!