quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Mafiosos ou Anarquistas?

A polícia italiana iniciou, nos últimos dias, uma grande operação com o intuito de evitar que o projeto de reorganização da máfia siciliana atingisse seus objetivos. Foram realizadas mais de 90 prisões. A mais importante teria sido a de Gaetano Lo Presti, sujeito que, segundo as Autoridades Italianas, estava à frente desta empresa. Lo Presti foi encontrado enforcado em sua cela. Segundo as versões oficiais, teria se suicidado. A imprensa internacional, com interesse, noticia tal fato. Contudo, sem explicitar as razões do fenômeno inominado "Mafia", tão presente em nossos cotidianos. Muito mais do imaginamos. A organização mafiosa teve início na Itália do Século XIX, enquanto o País verdadeiramente tentava se organizar politicamente. Vigorava, no interior italiano, especialmente no seu Centro-Sul, menos desenvolvido, o modelo latifundiário, com a concentração de terras nas mãos de poucas famílias. Com as constantes confusões geradas, naturalmente, por um "quase-forçado" processo de unificação e geração de um governo central único, era comum a ocorrência de saques e roubos de gados e pertences dos latifundiários. Criaram-se, à época, os genes do que hoje compreendemos como máfia. Grupos armados foram formados muitas vezes pelos próprios latifundiários para protegê-los dos saqueadores. E cada grupo destes recebia por seus trabalhos, muitas vezes em pequenas parcelas de terras pertencentes a estes latifundiários. Com a evolução do próprio contexto social italiano, muitos destes meros "prestadores de serviços", tornaram-se proprietários rurais ou comerciantes nos Centros Urbanos mais próximos. Perceberam, então, que poderiam "dominar" aquelas localidades, assim como dominavam a questão da segurança. Uniram-se e passaram a cobrar, também, pela segurança prestadas aos comerciantes. Nasciam, assim, as primeiras organizações mafiosas. Contudo, possuindo terras e pontos importantes de comércio, os mafiosos tiveram a percepção de que já não eram apenas mais um grupo armado: transformaram-se em verdadeiras empresas. De maneira extremamente hábil, organizaram-se e "profissionalizaram" a sua atuação. Dividiram-se em grupos, "famiglias", que deveriam respeitar um determinado ramo e território de atuação, jamais podendo invadir os indicados às outras "famiglias". Perceberam que seria relevante participar das atividades estatais, pois somente assim influenciariam na tomada de decisões estratégicas, tão importantes para a manutenção das "famiglias". Um fenômeno que iniciou-se de maneira concentrada, na Região da Sicilia, tomava conta de outros pontos da Penísula Itálica a esta época. Formatou-se, assim, a "Cosa Nostra", que, em verdade, não se trata da "máfia siciliana", como afirmam hoje alguns jornais e jornalistas; trata-se, sim, da entidade máxima da Máfia Italiana, denominada "Honrada Sociedade da Cosa Nostra", sob a qual atuam as "famiglias" 'Ndrangueta, na região da Calabria e de Reggio di Calabria; a Camorra, na Campãnia e Napóles; e a Sacra Corona Unita, em Puglia e Bari. O objetivo máximo das organizações criminosas é desrespeitar as normas, as leis. Esse comportamento é típico da Região mais ao Sul da Itália. Alguns sociólogos até hoje afirmam que se trata de um fenômeno comportamental que teria, certamente, gerado a aceitação às ações mafiosas. O fato é que todas as organizações mafiosas querem atingir uma única vítima: o próprio Estado. É comum a todos os mafiosos a rejeição ao Estado. Para os mafiosos, é improvável que uma mesma teia legislativa possa servir a todos os indivíduos. Atualmente, para "fortalecer-se" nessa sua "luta" em face do Estado, a Mafia atua na proteção, em diversas atividades estatais, com a influência sobre o funcionalismo, no contrabando, na pistolagem ou, modernamente, "permuta de assassinatos" e no tráfego de drogas e de pessoas. Atuando em tantos ramos da atividade humana, fica fácil compreender porque muitas instituições financeiras e políticas internacionais são, de fato, controladas pelos mafiosos. A Mafia não é um fenômeno somente italiano, existindo na Rússia, na China, na Colômbia e em tantos outros Países organizações similares e que, em verdade, são associadas à "Cosa Nostra". Segundo informações da Interpol, "famiglias" são mantidas pela "Cosa Nostra" na Alemanha, Bélgica, França, Espanha, Grã-Bretanha e Brasil. Sempre com uma única justificativa: manter a luta em face do Estado ativa e fortalecida, dominando os pontos globais de interesse para a organização. Não estou, aqui, exaltando ou criticando as entidades ou organizações mafiosas. Apenas as analisando. Deixo a critério de cada um dos leitores deste texto o julgamento mais adequado aos fatos. O que não podemos ignorar, no entanto, é que desde o Século XIX, quando criadas, são as "famiglias" as únicas entidades sociais que possuem força para enfrentar o status quo ante, o stabilishment. Paradoxalmente, é a "Cosa Nostra" tremendamente organizada, exigindo de seus membros o cumprimento rígido de um "código de honra", onde prevalecem dogmas como jamais tocar nas mulheres de outros mafiosos, não patrocinar a exploração da prostituição, agir séria e corretamente no ambiente social, guardar sigilo absoluto sobre a instituição, jamais apresentar-se sozinho a outro mafioso (para análise, pelas partes, das parceirias), dentre outros. O batismo de sangue dos mafiosos realmente existe, onde o dedo indicador da mão utilizada para atirar é perfurado em sua ponta, fazendo com que jorre o sangue que encharcará uma imagem santa, em seguida incendiada. Tudo para lembrar a "rigidez moral" da organização e para que os iniciados se lembrem que se romperem o seu juramento, também serão incendiados. A mensagem é clara. Em suma, é a Máfia uma entidade que possui uma latente dificuldade de se submeter às Leis, adotando uma postura quase-Anarquista. É odioso o envolvimento moderno das práticas mafiosas no tráfico internacional de drogas e pessoas. Mas a Máfia não é só isso. É muito mais, controlando o jogo, o setor hoteleiro internacional e boa parte do sistema financeiro global. Resta a nós, reles mortais, analisar de que lado queremos ficar. E nessa eleição, deveríamos levar em conta que modelo de sociedade desejamos compor.

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